Um poema para Pintores, tradução de Miguel Cardoso
 
 
A nossa era carecida de nobreza
                  Como podem as nossas caras mostrá-la?
Busco o amor.
                  Os meus lábios sobressaem
secos e gretados pela falta
                                    dele.
                                    Ah tudo está bem.
O meu poema mostrará a falta que faz.
 
         Lá vamos de novo levados por forças
que não controlamos. Só
                                                      no poema
surge uma imagem que governamos
                                    a linha pela caneta
na mão do pintor um pé
                                    arredado de mim.
 
                                    Desenha-se a cara
                                    e a sua tortura.
Eis porque ninguém se lança a domá-lo.
                         Amarrados que estão pelas mãos
                                                      de forças que
                                    não compreendem.
                                                            Que o desespero
      está-me na cara e há de revelar-se
      nas mais leves linhas de cada homem.
 
Tive o amor uma vez na palma da mão.
Vê estas linhas aqui.
                                    Como jogámos
o seu jogo, jogamo-lo agora
cercados de impiedosos campos brancos.
 
Desaba sobre a minha cabeça, amor,
Empapa-me a carne na corrente
                                    de ligeiros borrifos. Como
                                                      perfume francês
para que eu me ilumine como
              um halo de luz por trás de uma montanha
e seja regado pela fragância
                  da linha acabada.
 
                                    Círculos não
                  mas que duas paralelas se encontrem
E nos levem as almas e os corpos
     acoplados como planetas,
                  A sua luz visível à superfície
                       da nossa pele, sabendo
                  que tanto dela corre
                       pelas veias lá por baixo.
As nossas bochechas cheias dele.
                  Os bolsos a abarrotar.
 
2. 
 
Empurrado para diante pela incompletude
                  do que decorre à minha frente
hesito perante a folha de papel
                  arranho até às palavras certas.
 
Paul Klee arranhou sete anos a fio
                  um vidro fosco até chegar
                  à sua linha, diz-nos LaVigne, vê
bem a cara dele! ele que levou
                  uma noite inteira a desenhar a minha.
 
                  Também o sol
sobe sobre os telhados, começando
c/ o violeta. Eu começo em azul
pois sei por que entre nós tudo claro
 
3.
 
O meu segundo nome é José e
ao lado de um burro caminho para onde
Belém, onde nasceu mais um menino.
 
                  Não a segunda mão de Yeats mas
primeiras impressões no vidro embaciado.
 
América, ferves, transbordas, tu.
 
 
4.
 
 
                  O caldeirão queima.
                  A carne calcinada.
                  Olhos em sangue.
 
                  A rua fervilha com
                  víboras e bandidos armados até aos dentes.
                  Ligaduras cobrem as feridas
                  mas imperturbável corre o sangue. As casas
                  de banho cheias. Ah vedem
                                                      as sarjetas.
                                    Estamos a ser invadidos.
 
 
5.
 
Deixem-me vaguear por aqui.
Contudo sem pôr o pé para lá da minha pequena área.
Piso fora das linhas
                  sem defesa,
ah ataque.
 
6. 
 
O jogo acabou por fim
                                                      e a linha estende-se.
 
Fiquemo-nos pelo que conhecemos.
Que o amor é a minha força, que
por ele sou subjugado:
                                                      O desejo
                                                                        também isso
está na cara: passou do prazo.
Quando verde era a cama onde o meu amor
e eu nos deitávamos.
Assim é, o queixume do coração
que se ouve num dia de Junho.
E não vejo o fim à vista
quando vai o Verão, e há de ir,
pelas estradas, a cantar
companheiros terra afora.
 
Deixa-te ir, pois, se tiver de ser,
mas deixa-nos pistas pelo caminho.
 
A sul de Mission, Seattle,
para lá das Sierra Mountains,
o Middle West e o Michigan,
movendo-se de novo para leste,
chegando num pulo a Chicago e
às terras do gado, chamando
uns pelos outros de um lado ao outro de falésias,
cuidando de não serem apanhados
de noite, andam por aí, à solta, ainda,
os destruidores, e depois desce
para o Sul, por terra antes trilhada,
lugares verdejantes, as montanhas azuis
da Carolina, até Black Mountain
e aí podes dormir ao relento, ou
ir direito aos estados
 
Escapam-me agora os seus nomes.
 
Esta nação é tão vasta, como
são as nossas mãos, o nosso amor
vive sem amante, somente na procura
do amado, retorna a casa, ao
interior do coração, Nova Iorque,
New England, verdes montanhas
de Vermont, e Massachusetts,
a minha cidade, Boston e o mar
de novo cheirar aquilo que o sereno
oceano não nos sabe explicar. As estações.
Só o coração se lembra
e regista nas palavras
das obras
que deixamos para os homens
que a elas um dia poderão chegar
 
 
7.
 
Finalmente. Chego à defesa final.
 
Os meus poemas não contêm nem
                  brutas feras, nem
da Dama do Lago a música
das esferas, nem cantos de órgão,
 
contudo nestas linhas traio
quão pouco me foi dado.
 
Dispensa-se a defesa. 
 
Apenas o balanço do esforço
                  de um homem para que fique
                  com o que é dele, o que
                  nele há a fazer.
 
Sem o qual nada é,
para si e quem o ouve.
 
E eis ao que cheguei,
ciente do desperdício, deixando
o resto ao amor
e às suas caras tortuosas
a que as minhas mãos deitam as unhas
para logo recuarem perante
o sangue que nelas escorre.
 
Ah volta, se algum coração
te sobra. É a minha vida
que salvas. O poema está acabado.