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Poemas de antes

Filtering by Tag: Jorge Almeida

Reyerta

Nuno Amado

Este poema não devia ser esquecido porque, para além da admirável construção imagética que o caracteriza, se debruça de uma forma peculiar sobre uma das motivações principais para a existência de violência entre grupos de seres humanos: uma espécie de hábito mental que classifica o outro através da sua inserção em categorias pré-existentes, negando-lhe a sua individualidade.

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Do gosto dos namorados

Maria S. Mendes

 

Do gosto dos namorados

 

Soneto Glosado

 

Quão doce é a um firme namorado

Um fingido fugir da doce dama,

Um dizer que não quer ir para a cama

Um não sejais, senhor, tão malcriado!

 

Um ai que nos ouviram! Que é pecado!

Um ai que minha Mãe ouviu e chama!

Um ai de mim, que perco honra e fama!

Um não sejais, senhor, tão porfiado!

 

Quão doce é um suar a curvar coxas!

Um dar lugar a tudo, de cansada;

Um lembrai-vos, senhor, qual me deixais!

 

Um encobrir, chorosa, as nódoas roxas;

Um despedir-se, em lágrimas banhada;

Contemple-o quem chegar a tempos tais!

 

 

Glosa

 

I

Se licença do Amor me fora dada

E que pudesse usar de meus cuidados

E neles contemplar um quase nada

Quanto dá a sentir a seus privados,

Considerara em uma vista em vão torvada

Em uns suspiros e ais meio quebrados,

Considerara enfim como este estado

Quão doce é a um firme namorado.

 

II

Considerara um ver andar de Amores

Um pobre Amante atrás da Dama bela;

Um contínuo chorar de desfavores,

Uma esquivança da gentil donzela;

Um trocar destes males em favores,

Um dar entrada, com gentil cautela,

Um ver andar o Amante em viva flama,

Um fingido fugir da doce Dama.

 

III

Não foge por fugir, que se fugira,

Tão depressa alcançar se não deixara,

Em tanto passe, logo se retira,

Que não é do que quer que longe avara

Finge com ânimo brando uma alta ira;

E tudo por mostrar vender-se cara;

Sobre tudo inda mais um triste inflama

Um dizer que não quer ir para a cama.

 

IV

Um chorar, e dizer sou mui medrosa!

Deixai-me! Ora, senhor, quem tal cuidara!

Ai, mofina de mim! Ai desditosa!

Quem antes que vos vira se acabara!

Um sentar-se a um canto, mui queixosa,

Um dizer ai que noite aqui passara!

Um morder na mão do namorado,

Um não sejais, senhor, tão malcriado!

 

V

Um chegar para a cama recatada,

Fazendo mil meneios de escapar-se,

Um pedir que a luz seja apagada,

Um dizer que aos pés quer acostar-se,

Um tirar o mantéu quase enojada,

Um vagaroso e tardo descalçar-se,

Um culpar de apetite tão ousado,

Um ai que nos ouviram! Que é pecado!

 

VI

Um ferrar e dizer senhor, deixai-me!

Deixai-me, não me atrevo, i-vos embora!

Não posso fazer tal, antes matai-me!

Outro dia vireis, não posso agora!

Fazei-me este favor, e contentai-me,

Outra coisa farei por vós outra hora!

(e um dar com ela logo sobre a cama)

Um ai que minha Mãe nos ouve, e chama!

 

VII

Um dizer senhor, mal me tratais!

Um suspirar contínuo e afligido,

Um retirai-vos lá, que me matais,

Deixai-me erguer, senhor, que sois sentido!

Um valha-me o Senhor! Que rijo estais!

Já tenho o corpo como sal moído,

Um ai de mim, que soa muito a cama!

Um ai de mim, que perco honra e fama!

 

VIII

Um esperai lá, que sinto atravessar-me

De um agudo alfinete o esquerdo braço;

Um não queirais, senhor, afadigar-me,

Não sejais ao que peço humilde e escasso!

Um tende-vos em vós! Quereis matar-me?

Um não tereis vergonha em ser ousado!

Um não sejais, senhor, tão porfiado!

 

 

IX

Um deixai-me afloxar, por via vossa

A cinta, que me vou, triste, afogando;

Um ai de mim, não sei que fazer possa!

Um deixai-me, senhor, vou desmaiando;

Um não tereis piedade desta moça?

Mais quisera morrer, que estar penando!

Considerem memórias pouco floxas

Quão doce é um suar a curvar coxas.

 

X

Considere quem não pode achar-se nisso

Que achar-se pode e mais qualquer só vê-lo

E mais lhe vale tornar tal reboliço

Com que Amor premeia seu desvelo,

Achar a moça feita em um ouriço,

E na cama estender seu corpo belo;

Um pôr a mão no rosto envergonhada

Um dar lugar a tudo, de cansada.

 

XI

Aqui minha licença é acabada,

Não posso mais dizer e fico mudo

Nesta consideração tão estremada,

Que diga um pouco, senão que diga tudo,

Bem sei que em o dizer, não digo nada,

Que podem obras mais, que empenho rudo

Mas cuido que dirá, feito o demais

Um lembrai-vos, senhor, qual me deixais.

 

XII

Considerara pois esta penosa

Fingindo envergonhar-se do passado,

Um suspirar mudo de queixosa,

Um dar da cama um salto apressado

Um achar-se molhada e vergonhosa,

Um ter simulação e grão cuidado,

E um desembrulhar na cama as trouxas,

Um encobrir, chorosa, as nódoas roxas.

 

XIII

Um chegar-se coberta para o Amante

Fazendo-lhe um queixume acelerado,

Chamando-lhe de mau, sujo e bargante,

Traidor, desleal, desvergonhado,

Um áspero abraçar, mas mui galante

Um manso abrir a porta sossegado,

Um pedir-lhe que seja visitada,

Um despedir-se, em lágrimas banhada.

 

XIV

Um tornar para a cama, contemplando

Miudamente os passos que há passado;

Um mau dormir, em tudo considerando

Se tem tudo o que fez, bem empregado,

Um arrependimento em si formando,

Um mais ardente querer o namorado;

E ao último fim destes sinais,

Contemple-o quem chegar a tempos tais.

 

D. Tomás de Noronha, “Do Gosto dos Namorados”, Antologia de Poesia Erótica e Satírica. Lisboa:

Antígona / Frenesi; 2008.

 

Este poema não devia ter sido esquecido porque é uma representação poética virtuosa daquela sedução que consiste em dar aos olhos aquilo que se nega a “cobiçosas mãos”. Os conhecedores d’ Os Lusíadas já terão percebido que aludo ao jogo de sedução existente entre as Ninfas e os marinheiros na Ilha dos Amores. De qualquer uma das Ninfas se pode dizer o que Noronha diz sobre a donzela do seu poema, no que toca à tentativa de escapar ao desejo do namorado: “Não foge por fugir, que se fugira, / tão depressa alcançar se não deixara.” O poema parece assentar numa relação pouco harmoniosa entre os gestos impetuosos do namorado e as recusas fingidas da namorada, uma vez que estas últimas têm mais expressão no poema do que os momentos em que ambos se unem fisicamente. Aparentemente, até ao momento em que a namorada, fingindo “com ânimo brando uma alta ira”, morde a mão do amante, não há provas de qualquer contacto de natureza física. Mas só aparentemente! Uma leitura atenta revela que o poema é, desde o início, uma descrição perfeita daquele som que se ouvia na Ilha dos Amores, um “mimoso choro”, e que, por isso, é mais harmonioso do que parece.

É fácil constatar que o poema está recheado de aliterações refinadas, como a do segundo verso do soneto (“um fingindo fugir da doce dama” que, na verdade, é antecedida pelo “firme” do primeiro verso e se prolonga com o “dizem” do verso seguinte), e que Noronha deu uma atenção especial à sonoridade desta sua composição. Onde esta atenção se torna particularmente evidente é na anáfora com a palavra “um”, que, aliás, não se encontra sonoramente muito distante do “quão” que abre o poema. Sendo assim, a repetição da palavra “um” tem um propósito maior do que fazer uma enumeração sequencial dos gestos existentes neste encontro amoroso. A repetição do som [ũ] visa representar os gemidos dos amantes ao longo do poema, envolvendo, assim, o leitor numa trama onomatopaica que torna mais interessante a sequência dos gestos relatados. Não se pense, contudo, que este som é o único que visa representar o “mimoso choro” dos amantes, pois essa é também a função da interjeição “ai!” tantas vezes gritada. Esta interjeição parece somente dar expressão ao medo que a namorada tem das investidas do namorado ou ao receio de ser ouvida e julgada por terceiros: “Um ai que nos ouviram! Que é pecado!”. Porém, tendo em conta a arte de sedução desta namorada, ou seja, a lógica do poema, é possível interpretar “que nos ouviram! Que é pecado!” não como a verbalização sincera dos receios da donzela, mas como uma tentativa de disfarçar o gemido genuíno que soltara. Através do seu som, o poema torna-se harmonioso, pois revela as carícias trocadas entre as recusas bradadas. Na poesia não são só os olhos que também comem.

Jorge Almeida


Jorge Almeida é licenciado em Estudos Portugueses e doutorando no Programa em Teoria da Literatura (FLUL). Escreve crítica literária no Observador. Sabe de cor um poema de Cesário Verde e versos avulso de outros poetas, mesmo não se tendo esforçado para que isso acontecesse.