Contact Us

Use the form on the right to contact us.

You can edit the text in this area, and change where the contact form on the right submits to, by entering edit mode using the modes on the bottom right. 

         

123 Street Avenue, City Town, 99999

(123) 555-6789

email@address.com

 

You can set your address, phone number, email and site description in the settings tab.
Link to read me page with more information.

O poesia, poesia, poesia

Poemas de antes

O poesia, poesia, poesia

Nuno Amado

O poesia, poesia, poesia

Sorgi, sorgi, sorgi

Su dalla febbre elettrica del selciato notturno.

Sfrenati dalle elastiche silhouttes equivoche

Guizza nello scatto e nell' urlo improvviso

Sopra l'anonima fucileria monotona

Delle voci instancabili come i flutti

Stride la troia perversa al quadrivio

Poiché l'elegantone le rubò il cagnolino

Saltella una cocotte cavalletta

Da un marciapiede a un altro tutta verde

E scortica le mie midolla il raschio ferrigno del tram

Silenzio - un gesto fulmineo

Ha generato una pioggia di stelle

Da un fianco che piega e rovina sotto il colpo prestigioso

In un mantello di sangue vellutato occhieggiante

Silenzio ancora. Commenta secco

E sordo un revolver che annuncia

E chiude un altro destino

 

Dino Campana, Canti Orfici e altre Poesie. Milão: Garzanti Libri, 2007.

Ó poesia, poesia, poesia

Ergue-te, ergue-te, ergue-te

Da febre elétrica do piso noturno.

Solta-te das elásticas e equívocas silhuetas

Serpenteia no ímpeto e no grito inesperado

Na anónima e monótona troada

De vozes incansáveis como flautas

Na encruzilhada, a puta perversa berra

Porque o cavalheiro lhe roubou o cão

Saltita um gafanhoto devasso

Todo verde de um passeio ao outro

O chiar ferroso do elétrico raspa o meu miolo

Silêncio – um gesto fulminante

Desencadeou uma chuva de estrelas

De um lado que se verga e arrasa com o assombroso golpe

Num admirável manto de aveludado sangue

De novo silêncio. Comenta seco

E surdo um revólver que anuncia

E encerra um outro destino.

Tradução de Rui Alberto Costa

Este poema não devia ter sido esquecido porque me parece ser a chave para compreender um poeta tantas vezes descrito como incompreensível.

Em 1914, Dino Campana, um poeta vagabundo, que apenas um ano antes tinha perdido os manuscritos de toda a sua poesia, o que o levou a rescrever tudo de memória, publica o seu primeiro e único livro, Canti Orfici, o qual viria a ser vendido pelo próprio pelas estradas de Florença e Bolonha. Reza a lenda que rasgava páginas dos seus livros, de acordo com a pessoa a quem os vendia, ou seja, de acordo com a capacidade intelectual de tal pessoa para compreender ou não os seus poemas. A verdade é que, passados mais de 100 anos, muitas páginas ainda hoje seriam certamente arrancadas dos leitores de Campana. Louco, genial, excêntrico, a sua poesia continua a ser um dos mais eloquentes testemunhos da excelência poética italiana das vanguardas e, sem dúvida, uma das mais incompreendidas. Para justificar tal afirmação, que só por si arrisca a tornar-se um inevitável lugar-comum, poderia escolher um qualquer poema do poeta toscano, mas optei por “O poesia poesia poesia”, editado já nos anos 70, muito depois da sua morte.

Podemos, portanto, arriscar defini-lo como a sua ars poetica, até porque engloba e resume em si, sendo um dos seus poemas mais breves, algumas das mais significativas características de Campana. A evocação do espaço noturno, que é fundamental para a aspiração de Campana a uma poesia que revele a verdade, que seja total e absoluta, ou, como o próprio define, “parola rivelatrice”. A noite é o espaço onde as personagens quotidianas melhor se exprimem, bem ao gosto de um decadentismo europeu ao qual o poeta toscano nada deve. As prostitutas são uma figura central, mulheres que simbolizam o pecato mundano, a própria corrupção social que se mantém, não obstante as figuras de inovação, geralmente reveladas através da eletricidade, dos novos meios de transporte, num piscar de olhos ao futurismo, corrente que estava neste período a explodir (literalmente…) na Itália, mas com a qual Campana nunca se quis relacionar, pois, na sua insanidade mental, teve lucidez para se distanciar dos ideais extremamente políticos operados pelos futuristas. A sua rica adjetivação é outro elemento fundamental, e que tem como missão criar aquela que é a sua grande arma: a imagem quase cinematográfica. A imagem constantemente repetida, na qual assistimos a uma cisão entre a realidade da prostituta que grita e o sonho do gafanhoto devasso, das vozes e do chiar, uma eterna dualidade entre o que é real e irreal, entre o olhar do homem e o do poeta que tem a possibilidade de criar e não apenas de ver. Esta montagem das imagens, esta cinematografia sentimental, é talvez, de todas as características enumeradas, a mais original de Campana.

Campana é um poeta profundamente europeu, na escola de Leopardi, de Rimbaud, e que não raras vezes comparamos com Ângelo de Lima, sobretudo pela permanência em instituições de saúde mental, mas também pela técnica lexical, de uma notável inovação, acompanhada por neologismos e imagens impossíveis senão pela sequência das palavras. Redescobrir Campana e devolver-lhe o papel central que tem nessa literatura não é apenas prestar homenagem a um dos maiores poetas italianos de sempre, mas também, e sobretudo, entender melhor uma época e inclusivamente a literatura.

 

Rui Alberto Costa


Rui Alberto Costa ensina Língua Portuguesa na Universidade de Bari desde 2009. Doutorando em Estudos Portugueses na Universidade Aberta, onde está a tentar escrever uma tese sobre Almada Negreiros. Uma vez ficou de castigo na escola primária por ter escrito um poema sobre patos. Nunca mais o fez.