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Pequeno áster

Poemas de antes

Pequeno áster

joana meirim

 

Kleine Aster

 

Ein ersoffener Bierfahrer wurde auf den Tisch gestemmt.

lrgendeiner hatte ihm eine dunkelhelllila Aster

zwischen die Zähne geklemmt.

Als ich von der Brust aus

unter der Haut

mit einem langen Messer

Zunge und Gaumen herausschnitt,

muß ich sie angestoßen haben, denn sie glitt

in das nebenliegende Gehirn.

Ich packte sie ihm in die Brusthöhle

zwischen die Holzwolle,

als man zunähte.

Trinke dich satt in deiner Vase!

Ruhe sanft,

kleine Aster!

 

Gottfried Benn, “Kleine Aster”, Morgue (1912), Gedichte. Frankfurt am Main: Fischer, 2006.

 

Pequeno áster, tradução de Teresa Bartolomei

 

Um transportador de cerveja, afogado, foi colocado na mesa.

Alguém lhe tinha enfiado um áster

lilás claro-escuro entre os dentes.

Quando, a partir do peito,

por baixo da pele,

com uma longa faca,

língua e paladar removi,

devo ter chocado nele, porque deslizou

para o cérebro, ali ao lado.

Peguei nele e arrumei-o na cavidade torácica entre as aparas de madeira,

enquanto se cozia.

Bebe à vontade no teu vaso!

Pequeno áster,

descansa em paz!

Flor de talho

O talho não fica bem à poesia – esta assunção é tão evidente que nos esquecemos de a questionar (o que nos coloca imediatamente fora da poesia, sendo o questionamento das evidências gesto poético por excelência), excluindo dos nossos horizontes de versos não apenas o cheiro do sangue e o martírio do bife, mas todos aqueles rituais complicados de manipulação alimentar e técnica da morte que fazem a fortuna dos policiais narrativos e televisivos, inexoravelmente seriais. Mais uma razão para não os associar à poesia! Pensamos. Até encontrar o poeta morguenático Gottfried Benn, que das autópsias praticadas profissionalmente fez poemas sublimes e implacáveis, que cortam a jugular do pensamento e seccionam a nossa piedade, expondo a sua degeneração patológica como um meio indispensável para reencontrar o caminho da sua saúde impossível.

Este caminho é neste poema entregue à pequena flor, duplo cadavérico do cadáver humano, que ao longo do poema troca o seu papel inicial e tradicional de viático (vã homenagem das nossas despedidas dos falecidos) pelo de viajante, acolhido na carruagem do corpo do morto (de que sabemos unicamente que em vivo era “transportador” de cerveja) rumo ao descanso em paz, que é apenas um termo sem referente em que tumulamos a noite impenetrável da cessação do sujeito.

O médico-legista, ou todo o homem que lida com o corpo do morto – pequeno objeto sem serventia que sobra do sujeito “extinto”, sublima em técnica e ritual o trauma desta reversão natural que desmente toda a alegada diferença entre pessoa e coisa, a reduz a um vazio (preenchível apenas por “aparas de madeira”). O poeta, por sua vez, lida com este vazio num gesto tão praticamente inútil quanto simbolicamente significativo. Primeiro remove a língua do morto, para não a entregar ao túmulo: a fala é aquilo que pode ser excisado do vazio do depois.  No que disse, o morto pode continuar a falar além da sua própria extinção. A seguir, liberta-o da própria inércia de coisa, reintegrando-o no seu papel de “transportador” e confiando-lhe a flor de que ele se torna sarcófago. O poeta não restitui a vida ao morto, mas a poesia é a flor que ao morto restitui sentido, num pequeno gesto, tão ineficaz quanto necessário, em que a piedade se reencontra como saúde do ser vivo: inteiramente devida em nada poder.

Isto, contudo, só acontece ao reconhecer que a piedade, como a poesia – a poesia como forma de piedade –, não é um exercício puramente intelectual: o poeta que deixa deslizar a flor para o cérebro deve corrigir o seu erro, depondo-a na “cavidade torácica”, ao pé do coração. Perante o mistério da noite, afogada nas trevas da morte, a razão não tem lugar: para se tornar sentido, na vitória irrevogável do nada, a pequena flor claro-escura da palavra humana tem que ser aninhada no coração, e beber dele “à vontade”, no descanso pacífico do que dura sem ter futuro, num depois que já não lhe pertence; no sono sem sonhos da poesia que se alimenta de e se deixa sepultar na carne, contentor universal em que vida e morte são expostas como nomes da mesma coisa.  

 

Teresa Bartolomei


Teresa Bartolomei: Italiana, casou com um português por causa de Alemanha maior, o que a levou ao limite “onde a terra se acaba e o mar começa”. Gostando de limites, porque dão forma, procura testá-los nos textos em que a palavra não é meio mas fim, dentro do qual o ruído se acaba e o sentido começa.