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MAS

Poemas de agora

MAS

joana meirim

 

MAS

é limpinha

Francisco Alvim, “MAS”, Elefante. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

Gosto deste poema porque ele é resultado de um furto. O furto de uma fala que se quer dizer sem dono, imune, inocente. Para quem não a conhece, “mas é limpinha” faz parte de uma das mais comuns frases-feitas do Brasil. Fala esta que funciona como uma espécie de cosmético moral do discurso sexista, racista, elitista.

Gosto deste poema porque sua forma furtiva tem mesmo a urgência de um delito. A frase estava lá, deixada à especulação, usada aqui e ali, sem que por ela ninguém se responsabilizasse, até que enfim alguém resolveu habitá-la. No caso, um poeta, no caso Francisco Alvim que dá forma ao dito, dá ao dito um espaço na página, dá ao dito uma materialidade, algo que se pode ver. E o que vemos?

Para começar, a adversativa mostra-se como autoridade. “MAS”, em caixa alta, surge destacado como título do poema. Tomando o lugar de título, o “MAS” assume a autoridade de deixar em suspenso o que o antecederia. Primeira constatação: a ponderação do “MAS” é a autoridade que amaina o confronto de dois períodos sem contudo dar a ver os lados que estão em jogo (afinal, o que viria antes deste MAS?). Segunda constatação: a autoridade do “MAS” irá se interpor a uma representação do sujeito da frase no feminino e no diminutivo. E aquilo que motiva este tal “MAS” não está em palavras no poema. E não precisa estar. Pois existe como eco, como lastro de uma memória discursiva. É esta existência que estará sob um juízo. Juízo que designa uma realidade, ao mesmo tempo que a omite, com um cínico atenuante: “MAS// é limpinha”.

Gosto deste poema porque ele escolhe expor justamente o quão dissimulado é um juízo que tem a sua validação sob uma cultura de matriz colonialista e militarista — que separa e ordena, que extorque e marginaliza, que trabalha para a anulação do que é ou que se fez outro. Cultura de eugenia e de eufemia que perpassa o discurso das elites brasileiras, àquelas que ao longo dos anos exploram e cobram os juros da razoabilidade autoritária de um MAS que enquadra, julga, apaga. Gosto sobretudo deste poema porque ele envenena um tipo de fala que é a pílula de rivotril destas elites, o lugar do tão confortável politicamente correto. E gosto especialmente deste poema porque ele derruba o pedantismo do discurso sob o seu próprio peso do ridículo. É um poema que mostra o poder do poema em sua total fragilidade de ser palavra.

O pequeno poema de Francisco Alvim é de Elefante, livro publicado em 2000. “Elefante” como o  do título do poema de Carlos Drummond —“Exausto de pesquisa,/ caiu-lhe o vasto engenho/ como simples papel”. No Elefante de Alvim há outros destes micro poemas de “massa imponente e frágil”, que andam em “passo desastrado”, mas “faminto e tocante” como Drummond escrevera em seu “Elefante”.

E penso… Elefante, em seu passo desastrado, faminto e tocante, massa imponente e frágil…  Sim, o poema ou, quem sabe, mesmo o povo… E penso que as presas de um elefante valem muito, muito em matéria de finezas e finanças. E penso o quão atroz é a violência usada para arrancar as presas de um elefante. E, lembro de uma notícia que li há um tempo: “Segundo o site sul-africano News24, Theunis Botha, de 51 anos, conduzia um grupo de caçadores em um passeio, na última sexta-feira, quando eles se depararam com uma manada de elefantes. Três fêmeas teriam avançado contra o grupo, e Botha disparou contra uma delas. Ainda segundo o site, uma quarta fêmea então ergueu Botha com sua tromba e foi alvejada por um dos caçadores do grupo. O animal caiu ferido e esmagou Botha, ferindo-o de morte”. E penso que certos poemas — como certos acontecimentos — têm o poder de fazer justiça assim. E gosto disto. Eis a fábula. Cair ferido e esmagar . “MAS// é limpinha”.  A palavra ferida pelo discurso — que objetualiza, separa, normaliza — cai sobre si mesma e atua com o seu próprio peso.

 Lúcia Evangelista


Lúcia Evangelista tem se dedicado a poemas, gatos e outras coisas indomáveis.  Vive hoje em Portugal mas é o nordeste do Brasil seu lugar de fala e de ritmo. Fez, na Universidade do Porto, um mestrado voltado à obra de  Adília Lopes e atualmente faz um doutoramento, na mesma instituição, dedicado à obra de Alberto Pimenta. É bolseira da FCT.